sábado, 28 de novembro de 2009

Poética









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CAPÍTULO IX


Pelo que atrás fica dito, é evidente que não compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade.

2. O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso (pois, se a obra de Heródoto fora composta em verso, nem por isso deixaria de ser obra de história, figurando ou não o metro nela). Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido.

3. Por tal motivo a poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a história, porque a poesia permanece no universal e a história estuda apenas o particular.

4. O universal é o que tal categoria de homens diz ou faz em determinadas circunstâncias, segundo o verossímil ou o necessário. Outra não é a finalidade da poesia, embora dê nomes particulares aos indivíduos; o particular é o que Alcibíades fez ou o que lhe aconteceu.

5. Quanto à comédia, os autores, depois de terem composto a fábula, apresentando nela atos verossímeis, atribuem-nos a personagens, dando-lhes nomes fantasiados, e não procedem como os poetas iâmbicos que se referem a personalidades existentes.

6. Na tragédia, os poetas podem recorrer a nomes de personagens que existiram, e por trabalharem com o possível, inspiram confiança. O que não aconteceu, não acreditamos imediatamente que seja possível; quanto aos fatos representados, não discutimos a possibilidade dos mesmos, pois, se tivessem sido impossíveis, não se teriam produzido.

7. Não obstante, nas tragédias um ou dois dos nomes são de personagens conhecidas, e os demais são forjados; em certas peças todos são fictícios, como no Anteu de Agatão, no qual fatos e personagens são inventados, e apesar disso não deixa de agradar.

8. Portanto não há obrigação de seguir à risca as fábulas tradicionais, donde foram extraídas as nossas tragédias. Seria ridículo proceder desse modo, uma vez que tais assuntos só são conhecidos por poucos, e mesmo assim causam prazer a todos.

9. De acordo com isto, é manifesto que a missão do poeta consiste mais em fabricar fábulas do que fazer versos, visto que ele é poeta pela imitação, e porque imita as ações.

10. Embora lhe aconteça apresentar fatos passados, nem por isso deixa de ser poeta, porque os fatos passados podem ter sido forjados pelo poeta, aparecendo como verossímeis ou possíveis.

11. Entre as fábulas e as ações simples, as episódicas não são as melhores; entendo por fábula episódica aquela em que a conexão dos episódios não é conforme nem à verossimilhança nem à necessidade.

12. Tais composições são devidas a maus poetas, por imperícia, e a bons poetas, por darem ouvido aos atores. Como destinam suas peças a concursos, estendem a fábula para além do que ela pode dar, e muitas vezes procedem assim em detrimento da seqüência dos fatos.

13. Como se trata, não só de imitar uma ação em seu conjunto, mas também de imitar fatos capazes de suscitar o terror e a compaixão, e estas emoções nascem principalmente,... (e mais ainda) quando os fatos se encadeiam contra nossa experiência,

14. pois desse modo provocam maior admiração do que sendo devidos ao acaso e à fortuna (com efeito, as circunstâncias provenientes da fortuna nos parecem tanto mais maravilhosas quanto mais nos dão a sensação de terem acontecido de propósito, como, por exemplo, a estátua de Mítis, em Argos, que em sua queda esmagou um espectador, que outro não era senão o culpado pela morte de Mítis),

15. daí resulta necessariamente tais fábulas serem mais belas.

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