quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Por Uma Vida Sem Parágrafos Longos


Pablo Capistrano*

O meu amigo jornalista Alex de Sousa, me disse na Sexta feira passada: Olha Pablo, eu gosto dos seus artigos, mas eu vou lhe dar um toque de amigo, você escreve uns parágrafos longos. Você vai desenvolvendo a idéia e chega uma hora que o sujeito já está quase sem fôlego. Diminua esse negócio, rapaz!

Escrever com parágrafos curtos é uma grande sabedoria jornalística que nós, escritores formados no solo vicioso da academia demoramos muito a desenvolver. Só os neuróticos escrevem parágrafos longos. A neurose está na tal da obsessão pela idéia. Os filósofos geralmente tem essa doença. Eles (eu me incluo aí também) padecem dessa grande obsessão pela clareza, pela exatidão. Os filósofos são acostumados a treinar a mente para o detalhe, para a picuinha. Se você pegar a Crítica da Razão Pura de Kant, por exemplo, vai ver que o sujeito demora umas dez a onze páginas para exaurir uma única idéia.

Tem gente que diz que as trezentas páginas do livro giram em torno de umas duas ou três intuições filosóficas. A grande agonia dos filósofos está em encontrar a idéia perfeita ou, em destruir de modo inequívoco a suposta idéia perfeita de outro filósofo. Essa obsessão faz parte das regras do jogo filosófico.

Talvez por isso a filosofia seja tão parecida com o Tênis ou com o Golfe. São esportes ótimos de jogar mais incrivelmente tediosos de assistir. Imagine o tipo de tortura que deve ser, caro leitor, passar duas horas assistindo na TV um jogo de golfe. Só os aficionados conseguem tal proeza. Ler a Crítica da Razão Pura é como assistir um jogo de golfe, ou você é aficionado (e por isso mesmo, no mínimo, um jogador amador) ou não vai conseguir sobreviver as dez primeiras páginas. Importante lembrar que nem toda filosofia é feita dessa forma. Basta dar uma olhada nos telegráficos aforismos dos pré socráticos.

A escrita literária, a crônica, os artigos de jornal, por sua vez, devem se espelhar no futebol. Um jogo simples, que qualquer um consegue jogar e se entreter assistindo os outros jogarem. Eu, por exemplo, não consigo chutar uma bola numa trajetória reta numa partida de futebol (talvez por isso, quando era criança, sempre me colocavam na zaga). No entanto, não há como me manter indiferente a um Flamengo e Vasco. Não é preciso ser aficionado para deixar-se encantar pelas regras do futebol. Do mesmo modo que não é preciso ser um iniciado no jogo da literatura para gostar de um bom livro.

As obsessões neuróticas dos parágrafos longos também podem contaminar a vida dos sujeitos. Você imagine o tipo de inferno que deve ser a existência de alguém que transforma sua própria vida num tratado, numa monografia, numa dissertação. Longos dias debruçado sobre um único problema cotidiano. Longas noites de insônia envolvido em uma mísera circunstância da existência. A aflição dos neuróticos é a do disco arranhado, que topa num ponto e não consegue avançar, fazendo com que o camarada passe boa parte do seu tempo na terra girando em círculos, preso no rodamoinho de um único detalhe. Isso acaba fazendo com que o sujeito transforme seus dias numa gigantesca sucessão de parágrafos imensos, de longas digressões, de inevitáveis labirintos, de infindáveis tratados monográficos.

O toque que o Alex de Sousa me deu não serve só para o texto. Serve para a vida. Dá até para imaginar uma campanha publicitária com o lema: Diminua seus parágrafos, a vida é bem maior que suas obsessões. Que o texto da nossa vida seja leve como um poema do Leminski!


* Escritor, professor de ética e filosofia do direito. pcapistrano@hotmail.com

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